colunista

Elias Fragoso

Economista, foi prof. da UFAL, Católica/BSB, Cesmac, Araguaia/GYN e Secret. de Finanças, Planej. Urbano/MCZ e Planej. do M. da. Agricultura/DF e, organizador do livro Rasgando a Cortina de Silêncios.

Conteúdo Opinativo

Tecendo o desenvolvimento do Nordeste com fios regionais

27/04/2025 - 09:23
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A primeira utilização do termo "Nordeste" para designar a região em um documento oficial ocorreu em 1919, com a criação da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (Ifocs). No entanto, a ideia de "Nordeste" como um espaço geográfico já existia desde 1891. A partir dos anos 1920, intelectuais como Gilberto Freyre começaram a atribuir significado ao termo e a criar uma identidade regional. Em 1922, Agamenon Magalhães apresentou uma tese de Geografia do Nordeste, marcando a primeira abordagem acadêmica do conceito no Brasil. A frase nos foi fornecida pela inteligência artificial do Google.

Ocorre que essa “uniformização” artificial da região, tem sido justamente um dos maiores entraves para a alavancagem do seu desenvolvimento. Quando se empacota o Nordeste como uma entidade única, corre-se o alto o risco de mascarar (e mesmo esquecer) as nuances singulares da realidade de cada um dos seus nove estados.

Que possuem sua própria história, formação cultural, sotaques distintos, culinária característica, manifestações artísticas únicas e desafios socioeconômicos particulares. Uniformizar o Nordeste é claramente o fator impeditivo para que se reconheça e valorize essa diversidade intrínseca e obscureça as necessidades e potencialidades específicas de cada localidade. É como tentar descrever uma floresta inteira falando apenas de uma única árvore – a riqueza e a complexidade do ecossistema se perdem na generalização.

Ao reconhecermos as particularidades de cada estado nordestino, está aberto o caminho para uma compreensão mais profunda da complexidade de cada um e assim, do todo e a beleza dessa vasta e multifacetada região do Brasil, roteiro que nunca foi trilhado para a criação das políticas públicas compatíveis com esse mosaico diferenciado de realidades que compõem a região.

O modelo de intervenção do governo federal – desde sempre – foi o de impingir mega projetos à região, sempre descolados e desconsiderando as efetivas políticas que deveriam conduz ao crescimento regional. Apesar das boas intenções declaradas. frequentemente esbarraram em problemas de planejamento, execução, custos, impactos ambientais e, crucialmente, em uma visão excessivamente centralizada e uniformizadora da região. Ao desconsiderar a rica tapeçaria de realidades locais, esses projetos tem perpetuado e até exacerbados desigualdades, além de nunca entregar os benefícios prometidos de forma eficaz e sustentável para toda a população nordestina.

Veja-se o caso recente da transposição do Rio São Francisco aqui tomada como exemplo gritante da dicotomia boas intenções x projetos irrealisticos de baixo retorno e quase zero impacto social. Seu objetivo era levar água do Rio São Francisco a áreas semiáridas do Nordeste Setentrional, beneficiando milhões de pessoas em Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, historicamente afetadas pela seca através de um dos maiores projetos de infraestrutura hídrica do país, com investimentos bilionários ao longo de décadas.

E o que temos quase duas décadas depois? Á água da transposição beneficia (e ainda assim de forma muito reduzida) principalmente o agronegócio e grandes empreendimentos e tem impacto reduzidíssimo na vida da população mais pobre e vulnerável para quem o projeto se destinava de forma principal para prover o abastecimento para consumo humano. E isso ocorre mesmo nas áreas próximas dos canais.

Mais: a revitalização do rio, prometida como contrapartida, nunca foi feita e nem mesmo acompanhou o ritmo lento das obras da transposição. A retirada de água do São Francisco sempre gerou preocupações dos ambientalistas quanto à perda de vazão do rio, os impactos na saúde do ecossistema e nas comunidades ribeirinhas que dependem do rio para sua subsistência.

Em resumo, a ideia de que um projeto de tamanha magnitude foi concebido sem levar em consideração as diversas realidades socioeconômicas, geográficas e culturais dos diferentes estados e comunidades que seriam impactadas pelo investimento, nem por uma visão holística para o Nordeste como um todo é a questão central a ser observada para mudanças urgentes no modelo de intervenção na região. A rota dos investimentos federais na região precisa mudar de foco e direção.

O exemplo da transposição ilustra como grandes projetos federais para o Nordeste somente comprova problemas de planejamento, execução, custos, impactos ambientais e, crucialmente, em sua visão excessivamente centralizada e uniformizadora da região.

Ao desconsiderar a rica tapeçaria de realidades locais, esses projetos (e aqui nos referimos a todos os projetos, desde a época do Império) perpetuaram o atraso e subdesenvolvimento e exacerbaram desigualdades, uma vez que não conseguiram entregar os benefícios prometidos de forma eficaz e sustentável para toda a região.

É preciso dar um basta nessa política de macroprojetos que desde sempre desconsideraram a complexidade e a diversidade do Nordeste. Projetos que, diga-se, são em geral “concebidos” por profissionais de fora da região, todos, sempre, com forte influência dos lobbies setoriais das grandes empreiteiras.

Mesmo os projetos concebidos por técnicos nordestinos foram rotundos fracassos quando se coteja com seus ambiciosos objetivos iniciais, como os projetos de Celso Furtado e o projeto Nordeste que teve forte liderança da SUDENE).

Nesse cenário, a criação do Instituto Nordeste surge como um esforço no sentido de ajudar no redirecionamento das políticas de investimentos da região, voltando-se para uma visão endógena e holística de enfrentamento dos problemas regionais com visão e experiência local.

Sua atuação se concentrará em aproveitar, realçar e disseminar programas, projetos e ações que já vêm sendo realizadas com sucesso no próprio Nordeste. Mas, também, terá forte atuação para importar - adaptando-as - experiências de sucesso comprovado realizadas em todo o mundo. O Instituto entende que é possível dar um verdadeiro salto “quântico” no crescimento de segmentos específicos da região a partir dessas expertises.

O intuito é atuar tanto como um multiplicador dessas experiências bem-sucedidas, disseminando conhecimento e incentivando sua replicação em diferentes contextos regionais, como na geração de expertises e qualificação de mão de obra local para planejar, executar e dar continuidade a essas iniciativas,

Em suma, sua atuação focará em identificar, validar e disseminar programas e ações com resultados comprovados na própria região, buscará replicar modelos de sucesso em todo o mundo e ajudará a formar a expertise local necessária para a implementação de iniciativas eficazes e sustentáveis para construir um desenvolvimento mais autônomo, diversificado, sustentável e adaptado às necessidades e potencialidades de cada um dos seus nove estados.

Estamos ultimando o seu lançamento. E contamos com o apoio de todos.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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